10/01/2013

Os Pais Capadócios


Em tempos de novela da Capadócia (Salve Jorge) na Rede Globo, é oportuno lembrar o legado cristão daquela região, conhecendo um pouco sobre "Os Três Capadócios",  Basílio Magno, Gregório Nazianzeno e Gregório de Níssa, cuja memória a igreja celebra neste dia.

O texto é do livro Fundamentos da teologia histórica, de Alderi Souza de Matos, professor de História da Igreja e coordenador da área de Teologia Histórica do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo:

OS PAIS CAPADÓCIOS

Esses importantes pensadores cristãos gregos dominaram o cenário teológico na segunda metade do século IV e trabalharam juntos para tornar vitoriosa a fé nicena. Eram amigos de Atanásio e desenvolveram o seu pensamento teológico, criando as fórmulas que tornaram possível o consenso da maior parte dos teólogos orientais em torno da questão trinitária.
Os capadócios tomaram para si a tarefa de definir mais claramente a unidade e a diversidade existentes no Ser Divino, inclusive a terminologia adequada para isto, ou seja, de que em Deus há três hipóstases (subsistências individuais ou pessoas) e apenas uma “ousia” ou essência divina. Todos os três viveram na Capadócia, a região oriental da Ásia Menor, parte da moderna Turquia.

Basílio de Cesaréia

Basilio de Cesaréia (330-379) nasceu em uma família abastada e profundamente cristã, tendo sido o irmão mais velho de outro teólogo, Gregório de Nissa. Eles tinham uma irmã muito inteligente, Macrina (327-380), que participava de suas discussões teológicas e os influenciou fortemente.
Basílio fez os primeiros estudos em sua terra natal (Cesaréia, na Capadócia) e em Constantinopla, indo em 351 para Atenas, onde se tornou amigo de Gregório de Nazianzo. Retornou a Cesaréia por volta de 356 e ensinou retórica com grande sucesso. Abandonando uma promissora carreira na educação, resolveu dedicar-se à vida religiosa. Após ser batizado, viveu por vários anos como eremita. Deixou o isolamento em 364 a pedido do seu bispo, que estava enfrentando muita oposição de arianos extremistas. Foi ordenado presbítero e passou a escrever livros contra Eunômio, o líder desse grupo. Após a morte de Eusébio em 370, sucedeu-o como bispo de Cesaréia, função que o levou a envolver-se em controvérsias com os arianos, com os pneumatômacos ou macedonianos (que negavam a divindade do Espírito Santo) e com o imperador Valente (364-378). Destacou-se como líder monástico, administrador e teólogo.
Todas as obras teológicas de Basílio tiveram o objetivo de refutar os erros da época. As principais foram Contra Eunômio e Sobre o Espírito Santo. Rebatendo o ariano radical Eunômio, argumentou que não há contradição em dizer que o Filho é ao mesmo tempo gerado e eterno, ou dizer que ele é eternamente gerado. Refutando a acusação de triteísmo, afirmou e defendeu pela primeira vez a fórmula que resolveu em definitivo a controvérsia trinitária: no Ser Divino há uma só “ousia” (essência, substância) e três hipóstases (distinções pessoais).
Sua notável personalidade e enorme popularidade fizeram dele o mediador ideal entre o Oriente e o Ocidente. Através da sua influencia conciliadora e do trabalho dos seus colegas, a confusão sobre a terminologia nicena foi resolvida.
Basílio deu mais atenção ao Espírito Santo que os teólogos anteriores, mostrando que a terceira pessoa da Trindade não é uma criatura, e sim consubstancial com o Pai e o Filho. A defesa da divindade do Espírito Santo fica mais clara em suas muitas cartas. Seus argumentos são moderados, evitando polêmicas. Chegou a alterar a antiga doxologia usada em Cesaréia: “Glória seja ao Pai, por meio do Filho, juntamente com o (ao invés de simplesmente “no”) Espírito Santo”. Foi o primeiro teólogo cristão a escrever um tratado inteiro sobre o Espírito Santo e por isso ficou conhecido como “o teólogo do Espírito Santo”. Seu mérito foi introduzir definitivamente a terceira pessoa da Trindade na controvérsia ariana.

Gregório de Nazianzo

Gregório de Nazianzo (c. 330-390), amigo e colega de Basílio, era filho de um bispo. Sendo dotado de temperamento sensível, tinha predileção pela vida contemplativa e destacou-se como orador e poeta. Ficou conhecido na história como “o teólogo”. Ele foi patriarca de Constantinopla por breve tempo e presidiu o Concilio de Constantinopla (381). É dele o famoso dito ou principio cristológico e soteriológico de que “aquilo que não é assumido não é curado” (Epístola 101 a Cledônio). O melhor da sua produção teológica não está em tratados sistemáticos, mas em seus sermões, poemas e cartas, especialmente nos chamados Discursos teológicos, um conjunto de cinco sermões que marcaram a plena elaboração do pensamento trinitário. Como Basílio, ele também refutou o ariano extremado Eunômio, que afirmava que o Filho é inteiramente diferente do Pai (anomoios).
Sua grande contribuição à doutrina trinitária foi a ênfase no relacionamento interno entre as três pessoas divinas. Argumentou que as únicas distinções que podem ser estabelecidas entre as três pessoas da Trindade são aquelas referentes à origem de cada uma: o Pai é não-gerado, o Filho é gerado e o Espírito Santo é “procedente”. Dai falar-se na “processão” do Espírito.

Gregório de Nissa

Gregório de Nissa (c. 335-395) era um irmão mais novo de Basílio Magno, e destacou-se como teólogo e expoente do misticismo. E considerado o mais brilhante dos capadócios, tendo feito melhor uso da filosofia grega (neoplatonismo) que os seus colegas.
Ele produziu escritos teológicos e exegéticos, assim como tratados sobre moralidade cristã e uma biografia de sua irmã Macrina. Recebeu grande influência de Orígenes, embora não o tenha seguido de modo servil.
Suas obras exegéticas tratam especialmente do sentido místico ou espiritual das Escrituras, tendo sido um dos primeiros a se referir à cruz como o anzol que fisgou Satanás. Suas obras trinitárias são: Sobre a Santa Trindade, Não três deuses: para Ablábio e Contra Eunômio, sendo a última uma tentativa de continuar a obra de Basílio. Fez o discurso inaugural do Concilio de Constantinopla.
À semelhança de Gregório Nazianzeno, afirmou que a única distinção possível das pessoas da Trindade deve basear-se em suas relações internas. Ao contrário de Atanásio, que relacionou a divindade do Filho com a salvação, o método teológico dos capadócios foi fazer uso de argumentos lógicos e bíblicos.
Sua principal contribuição ao pensamento trinitário foi a refutação da acusação de triteísmo feita pelos adversários. A diferença que existe entre três indivíduos humanos (como Pedro, Tiago e João) e as três pessoas da Trindade é que, embora cada conjunto partilhe de uma natureza comum (respectivamente humana e divina), os primeiros agem de modo distinto e independente um do outro, ao passo que em Deus toda a atividade é uma só, toda operação é comum às três pessoas da Divindade.

A relevância dos capadócios

A principal crítica feita aos pais capadócios é que eles deram ênfase quase exclusiva às especulações sobre a Trindade imanente ou ontológica (os relacionamentos interpessoais na eternidade), enquanto o Novo Testamento dá ênfase à Trindade econômica, ou seja, as atividades das três pessoas no mundo e na história da salvação.
No aspecto positivo, esses teólogos desempenharam importante papel no reconhecimento da plena divindade do Espírito Santo, dando um passo decisivo para a declaração completa da doutrina da Trindade. A principal ênfase dos capadócios foi a defesa da unidade de Deus. A única Divindade existe simultaneamente em três distintos “modos de ser” — Pai, Filho e Espírito Santo.
Uma característica distintiva dessa abordagem da Trindade é a prioridade atribuída ao Pai: ele é a fonte ou origem da Trindade, o fundamento da sua unidade. O ser do Pai é comunicado tanto ao Filho quanto ao Espírito de maneira distinta: o Filho é “gerado” do Pai e o Espírito “procede” ou “emana” do Pai. Respondendo à indagação de como uma só substância pode estar presente em três pessoas, os capadócios recorreram à relação entre o universal e o particular — o futuro realismo medieval, abordado na segunda parte deste livro.
O Concilio de Constantinopla (381) foi convocado pelo enérgico imperador Teodósio I, que no ano anterior havia oficializado o cristianismo católico e trinitário como a religião do Império Romano. Esse concílio coroou de uma vez por todas os esforços de Atanásio e dos capadócios ao condenar todos os tipos de subordinacionismo (hierarquia) e sabelianismo (ausência de distinções pessoais) dentro da Trindade. Ele revisou o Credo de Nicéia, tornando mais claras certas expressões e acrescentando um terceiro artigo sobre o Espírito Santo e a Igreja. Esse importante documento ficou conhecido na história da Igreja como Credo niceno ou niceno-constantinopolitano.
Ícone retratando Constantino (centro) e os Pais do Primeiro Concílio de Niceia (325).

Fonte: MATOS, Alderi Souza de. Fundamentos da teologia histórica. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.

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